domingo, 27 de setembro de 2009

De teia em teia

Calçadão da Filipe Schmidt, no centro de Florianópolis, segunda-feira com o céu nublado. De repente um homem baixinho, aparentando ter 40 e poucos anos, começa a gritar, em frente a uma loja de discos:

– A polícia está chegando! Parem de brigar! Parem!

Um camburão do Pelotão de Patrulhamento Tático da Polícia Militar (PPT) se aproxima devagar pela mesma rua em direção ao sujeito, e ele, agora aparentemente mais inquieto e batendo palmas, continua:

– Vocês vão ser presos se não pararem!

As pessoas que circulam pelo local param e começam a rir da cena. O veículo, com cinco policiais – todos de óculos escuros –, estaciona ao lado do homem, próximo à igreja situada na esquina da Rua Deodoro com a Filipe Schmidt . O sujeito “gritão” não titubeia e vai até a porta da caminhoneta e os cumprimenta.

Com sorriso de orelha a orelha, pergunta como eles estão. Os militares sorriem discretamente, trocam reverências e apontam para os objetos que estavam ao chão, em cima de um tapete vermelho, em frente à loja. O homem entende o sinal e vai buscá-los.

– Podem levar esses dois – diz.

O motorista afirma que quer só um. Dá R$ 2 ao homem, sorri novamente e segue com o carro em direção a praça central da cidade.

Enquanto isso, o povo segue no riso.

Como assim?

Bem, agora vocês devem estar se perguntando qual era o objeto vendido? E também, quem estava brigando? Ok. Eu revelo a charada. Trata-se do Homem Aranha.

Não, não aquele de Nova York, que pula nos arranha-céus, mas sim de um bonequinho de plástico – com silicone na mão e nós pés que, após ser lançado na parede, desce escorregando – vendido ali mesmo. E o sujeito? Trata-se de Antônio Eduardo Vieira, também conhecido como o cara do Homem Aranha ou, apenas, Eduardo.

E por que, eles iriam presos? Não, os bonecos não iriam presos e nem estavam brigando. Somente estavam grudados um ao outro, e Eduardo aproveitou o momento e sua criatividade para fazer uma das coisas que mais sabe: arte. Essa que faz boa parte dos clientes ficarem encantados, caírem no riso e, muitas vezes, levarem pra casa o brinquedo.

De volta para o passado

Taxista, cobrador de ônibus, vendedor ambulante, engraxate, divulgador, professor de caratê, massagista, palhaço e animador de festas. Essas foram algumas das profissões de Eduardo, 42 anos. Desde criança, o mineirinho de Montes Claros já pegava no batente engraxando sapatos para ajudar no sustento da família.

Aos 24, teve uma descoberta na vida: a veia artística. A partir daí, resolveu deixar a cidade natal e foi para Campinas, com sua irreverência, bom humor e improviso, tentar ganhar a vida vendendo bala na rua. Começou com os doces e, tempo depois, foi parar nas artes marciais.

Quem olha não imagina, mas ele é faixa preta e campeão mineiro de caratê, e luta capoeira e jiu jitsu. Inclusive, já foi dono de academia na cidade de Campinas. Lugar onde conheceu a segunda e atual mulher. Ele, na época com 28 anos, e ela, sua aluna, com 14.

Arregalei os olhos quando soube e perguntei o que os pais dela acharam? Ele respondeu sorrindo. “Ah, ficaram loucos comigo, mas tiveram que aceitar”. Hoje são cinco filhos - três da primeira esposa e dois da segunda - e dois netos.

O filho homem mais velho, Magaiver Vieira, 21, nome dado em homenagem ao seriado de ação, segue os passos do pai. O jovem trabalha como divulgador da Farmácia Real, também no centro. No local dos “aranhas”, em frente à loja Cd Company, ele estava por lá e revelou que boa parte do que sabe foi o pai que ensinou.

O ganha pão com o Aranha

Foi em São Paulo, no ano de 1995, após ver um vendedor fazendo teatro para vender os mesmos bonecos, que Eduardo percebeu que poderia entrar nesta empreitada e quem sabe até aprimorá-la. Talento ele tinha. E foi o que aconteceu.

– Vi o rapaz encenando aquilo e resolvi fazer igual. Em pouco tempo já estava vendendo mais que ele – conta.



Veio para Florianópolis em 1996, já com os brinquedos embaixo do braço. O sucesso por aqui foi tanto que resolveu ficar. São mais de 13 anos em frente à loja Cd Company. E nunca foi cobrada nenhuma quantia pelo espaço. Para Eduardo, quem tem amigos, tem tudo. Graças à amizade com a chefia e funcionários do local, ele está até hoje ali.

Fui até o gerente do estabelecimento, Edson dos Santos, e perguntei se os cliente da loja ou os próprios funcionários nunca ficaram cansados das piadas e dos gritos do artista vendedor.

- Olha, as pessoas que se irritam incomodam mais que ele. O cara está ali trabalhando. Às vezes a gente se distrai com a música que rola aqui na loja e nem percebe o falatório. E o que nos divertimos com as piadas dele. De vez quando ele sai com umas, que o riso é certo.

- E quanto ao marketing que ele faz pra vocês? – perguntei.

- Ah, ajuda bastante. Ele ta ali jogando os bonecos da parede da loja, querendo ou não, isso atrai as pessoas. E também faz um merchan: ‘A melhor loja de cds da cidade’. Sem contar, que quando o troco acaba, vamos ali e já trocamos.

Os risos não ficam somente para o pessoal na loja. Muitos passam, olham, se assustam, cumprimentam, param, caem no riso. Eduardo estudou até a 8ª série, mas tem visão de marketing de muita gente com canudo de Ensino Superior.

Em nosso primeiro contato, ele levou a esposa e os dois filhos. A menina, 12, e o menino, nove, faziam a plateia. Bom, se tem gente assistindo é porque tem alguma coisa ali. Já é um atrativo. Quando as pessoas param para ver ele já aborda com simpatia: “Qual seu nome, menina?”. E aproveita para enganchar na mercadoria:

- Menino (boneco) desce daí, a Priscila tá aqui embaixo e quer falar contigo!

A esposa é quem faz o papel de caixa, enquanto o show fica por conta dele.

Há quem pare no local até para relaxar durante o intervalo de trabalho. É o caso do auxiliar financeiro Mychel Jair de Souza. Na opinião dele, pelo que vê durante os minutos em que prestigia o “espetáculo”, muitos compram o brinquedo mais pela encenação do que pelo boneco em si.

No manual de instruções, consta que o brinquedo é para todas as idades. Mas são as crianças que mais ficam impressionadas. Algumas ficam até de queixo caído. E quem não faz a vontade do filho por apenas R$ 2? Se algum pequenino passa chorando, Eduardo solta o grito. “Não chora. Olha o Homem Aranha, ele lá em cima te cuidando, hein”. Quando avós ou pais levam algum pra casa, ele também aproveita pra arrancar sorrisos.

- Seu filho, minha senhora, vai adorar. Aproveita e leva outro para seu marido também pra ele não ficar com ciúmes.

Ainda há uma série de outros slogans que merecem ser destacados (todos aos gritos):

– Para! Para! Para!;

– Por que ninguém encontra em loja? Porque esse é o único que vem direto de Hollywood;

– Mais de 50 mil pessoas passaram por aqui ontem, minha gente;

– Calma! Façam fila, tem pra todo mundo;

– Não abre as pernas assim, que tu não é o Van Dame!;

– Ele é o mais completo: treinamento do Jack Chan, manobra do Jet Lee, giro do macaco louco;

– Tia May, o Peter Parker está procurando a Mary Jane.

É impressionante o quanto o cara é conhecido pelo centro. Não consegui contar o número de gente que passou e o cumprimentou. Não é por menos. De terça à sábado, pela parte da tarde, ele sai de Forquilhinhas e vai pro batente no centro da capital. E as pessoas que circulam por ali não enjoam? Então, aí vai outra jogada de marketing.

No inverno, Eduardo bota o Homem Aranha para descansar e sai pelo centro a vender lanches e café nas lojas. E durante o resto do ano, às vezes, utiliza a venda de seu outro companheiro, o “Willy Vedita” – marionete de papel do personagem de desenho japonês que se mexe a partir de um fio quase invisível preso no joelho do artista – para obter a renda da família. O processo é mesmo: interpretação, bom humor e arte.

O sucesso e o futuro

Durante todo esse tempo, na vida de Eduardo, história é o que não falta. Pedi para que me contasse algumas. Ele coçou um pouco a cabeça e não demorou muito para começar as revelações.

Três argentinas viram sua apresentação, no ano passado. Ficaram encantadas e convidaram-no para ir embora com elas para a Argentina. Perguntei a ele para fazer o quê por lá? Resposta: “o que fazer eu não sei. Só sei que elas acharam que eu era solteiro”.

Pra quem pensa que o dinheiro entra no bolso todo o dia, se engana. Certa vez, na Oktoberfest de Blumenau, ele e a esposa, num dia inteiro, venderam apenas um boneco. Mas, a média atual não é de se queixar. Diariamente, durante a baixa temporada, são vendidas cerca de 200 unidades. Lucro em torno R$ 400. No verão, o dobro ou até o triplo.

Se tem algo que os vendedores ambulantes temem é a fiscalização. No caso de Eduardo, o respeito mútuo com eles garante o bom relacionamento.

– Quando pedem para retirar os produtos, eu entendo e os guardo. Nunca levaram nada. Eu acho que porque respeito eles. Muitas vezes passam, cumprimentam e fica tudo numa boa.

Há quatro meses seguidor fiel da Igreja Batista, o antigo católico auxilia os amigos que encontra na rua. Um catador de latinhas passou pelo local, ele o chamou e deu-lhe R$ 2 para comprar lanche. E deu o recado: “é pra comer, não é pra cachaça”.

Com duas teias e algumas aranhas tatuadas em ambos os braços, em referência ao produto que lhe dá o pão de cada dia, no futuro ele pensa em deixar a atual labuta de lado. O novo projeto em mente é montar um restaurante para vender marmitas, no local onde mora, em Forquilhinhas.

Antes de sair e terminar a nossa longa conversa, perguntei: qual teu maior sonho?

- Criar um ministério, uma igreja. Mas diferente das muitas que se têm aí hoje. Uma que ajude as pessoas. Façam elas se sentir bem e felizes consigo mesmas.

Para quem arranca gargalhadas do público com arte, carisma e o auxílio de um simples boneco, de teia em teia é possível ir longe.

Um comentário:

Anônimo disse...

Muito boa matéria.
Eu sou vendedor ambulante tambem, já vendi esse homem-,sem a ensenação é claro. chegava a tirar 200,00 reais por dia de lucro